Cores e contornos do conhecimento: A ciência como fonte de aprendizado e inspiração

Giulio Bonanno Lage

Durante a minha infância, eu fui um cultivador de sonhos. Tinha um caderno pequeno para fazer planos e desenhos que refletiam como eu idealizava meu futuro. O famoso “o que ser quando crescer”. Agora confesso que, na vida adulta, a maioria dessas aspirações foram dissipadas. Tive que escolher uma para seguir em frente em busca do sucesso e de realizações: a de ser cientista.

Como isso começou? Eu não tenho parentes cientistas. A maioria é médico ou comerciante. Talvez isso seja produto de alguma abdução alienígena, mas eu prefiro acreditar que fui profundamente influenciado pelas mídias de comunicação. Programas de TV, revistas, filmes e video games sempre fizeram parte da minha vida. Por meio deles, sempre buscava duas coisas: aprendizado e inspiração. Lembro-me de assistir por horas ao canal Discovery Kids e conhecer um pouco mais sobre planetas e dinossauros. Foi um jeito de perceber como o nosso universo é formado por um monte de pecinhas encantadoras, prontas para serem descobertas e encaixadas.

Ao longo dos anos, essa admiração não parava de aumentar. Mesmo pensando também em ser médico, advogado ou cineasta, o que me movia mesmo era a curiosidade. Eu gosto de correr atrás, perguntar, procurar um sentido para as coisas (ou um novo ângulo para admirá-las). Entrei para o curso de Ciências Biológicas da UFMG buscando manter vivo esse espírito de navegador.

Entretanto, percebi que a ciência não era algo tão colorido assim. Na verdade, nem os contornos eram tão bem definidos. Ainda mais no Brasil, onde a profissão de cientista não é regulamentada. Fiquei confuso quanto ao mercado de trabalho, ao modo de produção, às qualificações… A situação piorou quando conheci muitas pessoas que se desiludiram e foram seguir algo que, segundo eles, “dava mais dinheiro”; ou que simplesmente “fosse mais garantido”.

O pior é que boa parte dos professores – que também eram pesquisadores – não colaboravam com uma visão muito otimista do ofício. Pareciam conformados em ter que cumprir protocolos, avaliar dissertações e redigir artigos como qualquer outro figurante do filme “Tempos Modernos”, de Chaplin. Claro que havia exceções, mas a impressão geral que estava sendo construída era essa.

Em um expediente típico, guiando uma excursão de crianças, passei a enxergar como eu estava cumprindo para elas o mesmo papel que o Discovery Kids (ou a Turma da Mônica, a Revista Recreio, o filme do Jurassic Park etc) assumiu na minha infância. Um papel cheio de responsabilidade, diga-se de passagem. Dali poderia sair novos aspirantes a cientistas que correriam o mesmo risco da desilusão que eu.

Compreendendo essa responsabilidade, resolvi direcionar a minha graduação para o campo da divulgação científica. Claro que continuo pretendendo realizar pesquisas, mas tentarei conciliar ambos. Com o tempo, vi que sair por aí pesquisando migalhinhas só para aumentar o meu currículo Lattes não era tão gratificante quanto contribuir para a formação de mentes inspiradas e ativas, prontas para elaborar perguntas que deixariam o Stephen Hawking intrigado. Delírio?

Graças à divulgação científica, eu acredito plenamente nisso. A ciência não dista muito da arte quando se trata de entender quem somos ou pra onde vamos. Usam métodos diferentes, mas podem trabalhar juntos e alcançar feitos revolucionários. O que seria de Darwin sem a literatura? O que seria de Da Vinci sem a geometria? O que seria da descoberta sem a comunicação? Por isso, cientistas, vamos cumprir nossa missão e celebrar o papel da divulgação!

A divulgação científica e eu: A ciência como formadora de senso crítico

Pedro Henrique Rodrigues Loureiro

                Meu primeiro contato com a ciência e sua divulgação aconteceu quando era muito novo: sempre apreciei ler, quando criança, revistas variadas, que iam desde Globo Ciência (antiga Galileu), até leituras mais lúdicas, tais como a revista Recreio. Desde criança possuía uma grande fascinação e atração pela ciência. Me entusiasmava, no começo do ano, quando recebia os livros didáticos e, dentre os meus prediletos, estava o de Ciências: folheava-o demoradamente, sempre saboreando cada página com cuidado. Muitas vezes gastava uma tarde inteira só folheando o livro de Ciências, curioso para saber quais experimentos novos estariam ali; quais conhecimentos novos eu adquiriria.

Desde meus 6 anos até meados dos meus 12, 13 anos, sempre fui um grande entusiasta da ciência: colecionava plantas, galhos, pedras, insetos. Participei de algumas olimpíadas de astronomia e astronáutica. Adorava colecionar curiosidades científicas em minha cabeça. Porém, isso não bastava. É incrível como o sistema educacional em que me formei consegue, até hoje, podar e limitar bastante os alunos, tornando-os vítimas de um pragmatismo irracional, fruto de uma união de conteúdos excessivos, professores despreparados e aulas expositivas e desinteressantes, que os fazem perguntar aquilo que nenhum professor quer ouvir, ou não deseja ter que responder: “por que estou estudando isso? Pra que isso serve?”. Como não poderia ser diferente, também me fiz essa pergunta e acabei me distanciando, durante alguns anos, do meu interesse pela ciência. Passei a me interessar por outras atividades, como arte, música, história, em grande parte devido à influência do meu irmão. A física, biologia, matemática ficavam para trás.

Por acaso, em meados do meu ensino médio (acredito que no segundo ano), tendo contato com a filosofia e amadurecendo meus julgamentos, percebi que boa parte dos preconceitos que tive em relação à ciência eram exatamente preconceitos, que herdei devido às experiências ruins que meu irmão teve nas aulas de ensino médio e que ele passou para mim. Além disso, a filosofia forneceu um algo mais que me instigou a ler e a aprender melhor sobre a ciência: como podemos justificar e determinar o que é um conhecimento válido? Por que devemos confiar em um cientista e dar credibilidade à fala dele em detrimento da fala de um astrólogo, por exemplo?

Nesse momento percebi o quão deficiente é um ensino e divulgação de ciências no qual se preza o acúmulo de resultados e curiosidades científicas em detrimento de um pensamento sobre métodos e interpretações de resultados. O sistema educacional em que passei 11 anos de minha vida prezava, sempre, pelo acúmulo de conhecimentos (que não importava como foram obtidos), para ser utilizado na resposta de algum problema. Os alunos mais premiados e tidos como inteligentes são aqueles que são capazes de memorizar mais “fatos” científicos sobre um determinado assunto.

Paralelamente a essa reflexão, tive contato com alguns canais de Youtube que me despertaram um senso crítico mais aguçado e que me puseram em contato com grandes divulgadores da ciência, como Neil deGrasse Tyson, Carl Sagan e Richard Dawkins. De fato, assistindo a documentários desses divulgadores, tive meu interesse pela ciência restaurado a ponto de me decidir a cursar Ciências Biológicas e, mesmo sem certeza do que fazer, contribuir para a popularização da ciência. Nesse processo, uma leitura que me influenciou bastante foi, certamente, de um livro de Carl Sagan: “O Mundo Assombrado Pelos Demônios: A Ciência Vista Como Uma Vela No Escuro”, o qual inspirou o ensaio que escrevo. Percebo, entre colegas de curso e inclusive na elite intelectual, um crescimento da credulidade geral em teorias conspiratórias, pseudocientíficas e a aceitação geral de conhecimentos sem credibilidade factual. É nesse âmbito que desejo trabalhar: tornar a compreensão da ciência e do conhecimento como algo mais simples.

A partir desse interesse e da escolha de curso, acabei tendo experiências muito gratificantes, uma vez que trabalhei, por um período curto, na escola em que estudei, como monitor de ciências: nesse tempo, me esforcei para trazer aos alunos conhecimentos e formas de determiná-lo mais interativas, menos monótonas, que conectem diferentes campos do conhecimento. Nas poucas vezes em que tive a experiência de dar aulas e substituir um professor, me esforcei em tornar conceitos claros, utilizando analogias e ferramentas didáticas, pois sei que para prender a atenção de crianças e adolescentes nem sempre uma aula expositiva é o melhor caminho. Muitas vezes, um experimento simples, conduzido em sala, pode ajudar a compreender um conceito de maneira muito mais didática.

Minhas experiências em relação à divulgação científica foram muito pequenas ainda, mas ao concluir a disciplina nesse semestre, tomei decisões de empenhar-me mais em ler e escrever sobre o assunto; inclusive planejo retomar postagens em um blog pessoal antigo, com o intuito de fazer alguma contribuição, ainda que pequena, para a divulgação da ciência. Seguirei tentando educar, ainda que fora da escola e do ensino formal, pessoas para a formação de senso crítico. Para que cada vez menos tenhamos discussões infrutíferas e dificuldades de entendermos um conceito científico simples devido ao excesso de obscurantismo posto sobre uma determinada área, como “física é coisa de doido”, “a evolução é apenas uma teoria”, entre tantos outros preconceitos diários na vida de estudantes e não-estudantes.

Divulgação Científica e Eu: Um ensaio

Rachel Rodrigues Lima

             Desde criança, em meio a brincadeiras com bonecas e jogos com bola, eu apresentava um passatempo incomum: folhear as enciclopédias de Astronomia da Conhecer 2000. Saber daquela realidade distante e tão pouco palpável me maravilhava incrivelmente e nutria minha curiosidade sobre quem é que sabia tanto sobre os astros para escrever aquela enciclopédia? Este tipo de questionamento me fazia querer ser uma destas pessoas.

Aliado a isto, adorava documentários sobre a vida animal ou sobre o universo. No ensino médio, principalmente, comecei a nutrir mais a minha curiosidade sobre ciência e me liguei à divulgação científica em busca deste tipo de material para preencher o meu dia. Os biólogos que entravam na selva e identificavam cobras, viajavam a lugares ermos em busca de paraísos naturais ou até mesmo os físicos explicando o universo com medidas e termos que eu desconhecia me atiçavam a curiosidade.

Mais tarde, vim a conhecer, por meio de uma aula de biologia, um famoso divulgador científico, Carl Sagan, através da série Cosmos. Este é e foi, definitivamente, quem mais me despertou para a carreira científica.

De todas as áreas que eu gostava em ciências, a biologia era a que mais me impressionava quando mais jovem. Não só pela grande influência que tive dos meus vários professores de biologia e ciências ao longo do meu percurso escolar, mas também por conta da televisão, como já havia mencionado anteriormente.

Decidida a seguir esta carreira, prestei vestibular e hoje me encontro na UFMG fazendo justamente o curso que tanto quis mais cedo. Depois de realmente estudar, é fácil quebrar algumas imagens errôneas que tínhamos em mente – como entrar no mato e gravar documentários, não é bem assim – porém, o curso é enriquecedor e me surpreende cada dia mais.

Dentro da universidade, ante o tanto de conhecimento, é que me volta o desejo de saber mais sobre divulgação científica e trabalhar por ela: toda essa informação deve ser compartilhada e, não obstante, deve ser compartilhada de forma palpável e facilmente compreendida para a população geral.

Uma das formas que eu encontrei para ser um veículo facilitado deste conhecimento é seguir na carreira da Licenciatura, que me maravilha completamente. E é na sala de aula que vejo um mundo de possibilidades não só de divulgar e ensinar ciência, como também de fazer com que meus alunos tenham seus primeiros contatos com documentários e outros – como tive na infância – para entender o quanto a ciência é fascinante e interessante.

Em sala de aula, posso tentar exercer a mesma influencia que meus professores anteriores: mostrar o lado da ciência que não está nos livros – o que é, às vezes, só o que os estudantes enxergam.

Por fim, vejo os produtos da divulgação científica como uma ferramenta mais que essencial também em sala de aula, uma vez que representam este escape da aula “conteudista” e presa ao livro usualmente perceptível nas escolas. É com estas ferramentas que podemos tornar mais palpável e mais interessante aos olhos dos alunos o conhecimento científico, a fim de atiçar-lhes a curiosidade.

E para mim, não importa a idade, a divulgação cientifica é o que torna viável o meu contato – e fascínio – por tantas áreas que desconheço, mas que se abrem e se mostram como um leque de curiosidades e fatos impressionantes na minha frente.

Divulgação científica e eu

Samuel Chagas Bernardes

               Meu primeiro contato com a divulgação científica ocorreu com as revistas SuperInteressante que meu pai colecionava quando eu era criança. Tal contato teve pouca influência nas minhas escolhas: na época, ciência já era de meu interesse e a Biologia já era um objetivo. No entanto, o aprendizado que obtive através daquelas páginas e, mais importante, o senso crítico que desenvolvi por tê-las lido foi inapreciável. Digo senso crítico porque, conforme meus estudos avançavam e eu descobria os experimentos e os resultados originais de todos aqueles artigos, aprendia que muito daquela divulgação era puro jornalismo e estava sujeito às falhas que o afligem, como subjetividade ou falta de conhecimento do jornalista.

A divulgação científica só se tornou, portanto, parte de meu foco mais tarde, no início do ensino médio, ao assistir à série Cosmos, de Carl Sagan. Pouco depois, li o trabalho de Stephen Hawking, O universo numa casca de noz, que me atraiu bastante para a área da Física nesse campo. Só quando eu já estava na faculdade, ao ler os livros de Richard Dawkins como A grande história da evolução e O Relojoeiro Cego, essa vertente de meus interesses finalmente se voltou à Biologia. Tais leituras me trouxeram o gosto por essas revisões da literatura que não só a tornavam mais acessível ao público leigo como também militavam pela desmitificação da ciência e contra o crescimento dos movimentos pseudo e anticientíficos. Outra coisa que me chamou a atenção era a paixão que esses autores exibiam pela ciência: até então, nunca tinha encontrado alguém que compartilhasse desse sentimento comigo e que desejasse disseminá-lo.

Desde que comecei a permear os trabalhos nesse campo, cresceu meu desejo por entrar nesse mundo e contribuir tanto para a popularização da ciência quanto para a citada militância. Minha profunda ligação com a literatura contribuiu com esse desejo: mesmo meu primeiro romance, puramente literário e filosófico, possui profunda ligação com minha carreira científica. Creio que também tenha sido influenciado por Aldous Huxley que, em seus romances, torna clara a influência da biologia sobre sua família, uma vez que o irmão, Julian Huxley, e o avô, Thomas Henry Huxley, foram grandes biólogos de sua época.

Embora eu acredite que nenhuma área científica é tão prejudicada quanto a evolução biológica graças à enorme militância religiosa contra ela, gostaria primeiro de me dedicar à divulgação de como o conhecimento é construído, já que vejo erros conceituais e lógicos mesmo em meus colegas de profissão. Acho que essa questão tem sido negligenciada pela divulgação científica atual – claro, com suas exceções como o livro O que é ciência afinal? de Alan Chalmers – e fundamenta a compreensão de todas as outras teorias. Por exemplo, Dawkins e outros pesquisadores propõem que a descoberta tardia da evolução biológica se deve ao fato de nossa percepção ter sido evolutivamente moldada para as poucas décadas de vida que temos em vez dos milhões de anos que a biosfera teve para se formar. Essa é minha preocupação: ainda que se destrinche todo o arquivo de experimentos clássicos e os traduza em linguagem simples, sem um bom alicerce teórico, é difícil compreender as evidências da evolução.

Impossível não conciliar isso com a carreira de pesquisador, a qual não pretendo abandonar. Gostaria de tratar dos problemas que enfrento no laboratório todos os dias, como a delimitação de espécies, a congruência entre evolução molecular e o tempo geológico – além de, claro, com os eventos que ocorrem nesse tempo –, os modelos biogeográficos e os métodos estatísticos etc. Como já disse várias vezes em que entrei em debates com criacionistas – alguns com plateia –, não tenho a esperança de convencer meus oponentes, i.e., os disseminadores de ideias anticientíficas, mas se puder ensinar para uma única pessoa os conceitos corretos, me considerarei vitorioso. E a divulgação científica é parte do meu arsenal.

Genética das populações

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Na última edição do Espaço Crítico, deixamos em aberto uma questão relacionada com as transformações e a conservação de línguas. O assunto foi discutido no âmbito da Linguística, expondo os diferentes posicionamentos adotados face às mudanças permanentes sofridas pelas línguas, mas ele ultrapassa as respostas dessa área de conhecimento em específico. Enquanto uma de nossas entrevistadas argumentava que as transformações dos idiomas ocorrem concomitantemente com a sua conservação, a outra defendia que quanto menor o contato entre as populações, maiores as chances de que o idioma seja preservado (http://bit.ly/11e82de).

Levando em conta aspectos abordados por ambas entrevistadas, isto é, a preservação de características mediante o contato e as conseqüências acarretadas pela mobilidade, retomaremos esta problemática pelo viés da Genética. Para tanto, procuramos o professor Fabrício Rodrigues dos Santos, que atua na área de Evolução e Genética da UFMG, para elucidar a questão da conservação versus transformações no âmbito da sua área de conhecimento.

Perguntamos ao professor Fabrício de que modo as características genéticas das mais diversas populações são preservadas. Ouça no áudio abaixo.

O professor Fabrício fala das novas variações genéticas que surgem a cada geração e aponta que cada um de nós tem cerca de 100 a 200 características novas, que geralmente, não são expressas de forma fenotípica[1], conforme veremos adiante. Seria este um empecilho para a conservação de características hereditárias? E quais os possíveis obstáculos à transmissão de todas as características genéticas de pais e mães para filhos? Confira o que ele respondeu no áudio abaixo:

Diante da possibilidade de aparecimento de novas variações genéticas, perguntamos ao professor se essas mudanças dificultam o processo de conservação das características genéticas para compor novos cenários de variações. Essas mutações podem ser impedidas?

Ainda sobre a questão das mudanças de características, perguntamos ao professor Fabrício Santos em que medida a facilidade de contato e de mobilidade de diferentes povos distintos, no mesmo espaço, pode ser desfavorável à transmissão genética. Ele responde estabelecendo uma relação entre a povoação dos continentes em áreas geográficas divergentes, a genealogia genética de povos indígenas e as variações genéticas. Saiba mais no áudio.

No contexto da mobilidade dos indivíduos, a redução do isolamento, mencionado pelo professor, teria alguma implicação? O isolamento total é possível? Nesse contexto, a influência do contato humano externo pode ser negativa?

Por fim, o professor Fabrício dá o exemplo da união de chineses e brasileiros e suas consequências para explicar o aumento das variantes genéticas brasileiras. Ouça abaixo:

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Balanço crítico

Uma clara diferença entre a exploração da questão da mudança pelas professoras da área da Linguística e o professor Fabrício Santos, da área de Genética, é que o segundo não relaciona a mutação de genes à uma causa, consequência ou impulso de caráter explicitamente político. Enquanto isso, no âmbito da Linguística, nossas duas entrevistadas alertam para o fato de que a mudança está inerentemente imbricada com as relações de poder.

Existiria alguma relação de poder relacionada à genética? Se sim, este não foi o enfoque do professor, que explica como as mudanças genéticas são inevitáveis, independentemente do contato e da mobilidade. Ele leva em conta que as características genéticas deixam de existir naturalmente, por meio, por exemplo, da concepção de apenas um filho, como foi exemplificado. Além disso, ele alerta para a exogamia como sendo uma característica constituinte da espécie humana.

Ainda não obtivemos respostas conclusivas quanto à questão da conservação e da mudança, o que não é necessariamente ruim. Ao invés disso, espaços são abertos para mais perguntas. Quem sabe este não é um tema para ser retomado mais adiante, com outro enfoque?

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Entrevistado: Fabrício Rodrigues dos Santos, professor do departamento de Biologia Geral da Universidade Federal de Minas Gerais (Lattes).

Entrevista e texto: Deize Paiva

Edição: Juliana Botelho

Ilustração: Luiza Carvalho

 

 

[1] Características aparentes que podem ser mensuradas. Referência em: <http://babcock.wisc.edu/sites/default/files/de/pt/de_14.pt.pdf >, último acesso no dia 03 de dezembro de 2014 às 14h30.

Língua morta, língua viva

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A língua é um dos nossos principais meios de interação com a realidade. Por meio dela, aprendemos, ensinamos e compartilhamos significados diversos que construímos no cotidiano. Além disso, a língua (e seus usos) está estreitamente ligada à identidade cultural. Suas variações nos permitem perceber especificidades culturais, tendo em vista os usos e os costumes linguísticos adotados em um dado contexto.

Na contramão dos estudos que identificam e delimitam usos linguísticos específicos, uma matéria veiculada em 2013 no portal O Globo levanta a possibilidade de existência de “uma ancestral comum de cerca de 700 idiomas atuais”.

A fim de esclarecer a alegação de uma base comum de idiomas e demais questões relacionadas às línguas, especialmente à portuguesa, procuramos as pesquisadoras Heliana Mello e Maria do Carmo Viegas. Ambas atuam na área de Estudos Linguísticos da Faculdade de Letras da UFMG.

Antes de entrar no mérito do estudo citado na notícia, foi necessário realizar uma distinção preliminar entre  língua e linguagem. A professora Heliana Mello explica, no áudio abaixo, a diferença entre os termos e esclarece a possível causa de sua confusão. Confira.

Voltando à notícia exposta anteriormente, vemos que os pesquisadores ali citados  concluíram  que centenas de línguas têm uma ascendência comum. Ou seja, trata-se de línguas com origens comuns, razão pela qual alguns sons ainda estariam preservados nos dias atuais entre essas línguas. Isto é possível? Foi a indagação que levamos para a professora Heliana, que pondera sobre os registros geográficos e históricos das línguas, os milhares de anos decorridos entre a suposta ancestral em estudo e os dias atuais e o desenvolvimento tecnológico atual. Saiba mais no áudio abaixo.

Paradoxalmente à conjectura de uma matriz comum e de sons conservados, aponta-se para a visão de “mudança permanente” das línguas, uma atualização verificada especialmente em sua modalidade oral. Seria este um movimento próprio à manutenção dos idiomas, uma vez que alguns deles se adaptam e sobrevivem aos anos? Ou este tipo de mudança, levada ao extremo, poderia ocasionar o próprio desaparecimento da língua? A professora Maria do Carmo Viegas responde: “A preservação de uma língua depende de vários aspectos, um deles é se determinada comunidade de fala é constituída por uma rede fechada. Então, quanto mais aquela comunidade de fala é fechada, mais sua língua é preservada, quanto mais aberta é a rede… Tem a ver com contato linguístico, tem a ver com contato com outras comunidades, tem a ver com mobilidade de seus falantes. Aí, quanto mais aberta a rede, menos ela tende a ser preservada”.

Em contraponto à visão da professora Maria do Carmo, a professora Heliana Mello também responde, ao indicar a concomitância das mudanças orais com o estabelecimento do idioma, aplicando ao contexto da língua inglesa. Ouça.

Diante do panorama exposto acima, percebe-se que há discordâncias sobre o papel das mudanças linguísticas na sobrevivência dos idiomas. Assim, o que explicaria o fato de determinadas línguas serem preservadas em detrimento das inúmeras línguas que desapareceram no decorrer dos anos?

A professora Heliana associa a língua ao poder. Entenda a relação no áudio abaixo.

A professora Maria do Carmo Viegas concorda: “Isso [a relação da língua com o poder] ocorre mesmo, isso ocorre nas diversas sociedades. Língua e poder estão muito relacionados” e acrescenta, “a língua está relacionada com o poder… na medida em que a variante de prestígio é muitas vezes determinada por grupos de prestígio.”.

A professora Maria do Carmo prossegue sua explanação valendo-se do conceito de “variante de prestígio” e cita dois exemplos emblemáticos da língua portuguesa:

“O ‘erre’ retroflexo, por exemplo, ‘porrta’, como se fala no sul de Minas. Por exemplo, não é uma variante de prestígio; não é porque os sociais que falam dessa maneira, que falam essa variante, não tiveram, muitas vezes, o poder pra decidir qual é a variante de prestígio (ou não optaram por). Então, essas pessoas provavelmente não estavam no grupo que decidiu qual seria a variante padrão falada no Jornal Nacional, por exemplo. Mas isso pode mudar, esse erre pode passar a ser a variante de prestígio, a variante padrão. Isso é possível mudar.

“Vejamos o caso de ‘Ambos os dois’ já foi padrão, hoje não é mais, é considerado pleonástico. ‘Ambos os dois’ já foi padrão, já foi de prestígio, já foi valorizado.”.

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Balanço crítico

Ao contrário do que muitos imaginam, o estudo da língua suscita interesse em vários campos, extrapolando o campo da Linguística. Este é o caso do pesquisador Mark Pagel, o líder do estudo da notícia analisada, que concebe a língua como fruto de um processo de evolução. Esta visão, entretanto, não é consensual, da mesma forma como não o são os princípios teóricos do próprio campo da Linguística.

As divergências percebidas entre as professoras Heliana Mello e Maria do Carmo Viegas também são exemplos das perspectivas divergentes do seu campo de conhecimento. As atualizações e transformações que os idiomas sofrem são um mecanismo de sobrevivência ou, pelo contrário, ameaçam a integridade dos mesmos?

Esta é uma questão que não pôde ser respondida no âmbito desta publicação, mas que, certamente, motivará ainda muitos debates de campo.

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Entrevistadas: Heliana Ribeiro de Mello (Lattes) e Maria do Carmo Viegas (Lattes), professoras da área de Linguística na Faculdade Letras da Universidade Federal de Minas Gerais.

Entrevista e texto: Deize Paiva

Edição: Juliana Botelho

Ilustração: Luiza Carvalho

Palestra de Ivan Domingues e João Antônio de Paula – vídeos

A palestra “Observatório de Cultura Científica da UFMG: projetos e desafios” foi proferida por Ivan Domingues, professor do departamento de Filosofia da UFMG e João Antônio de Paula, da Pró-reitoria de planejamento da UFMG em 05/11/2013, no auditório da Reitoria da UFMG.

A conferência faz parte do segundo ciclo de palestras do “Conversa Vai, Ciência Vem” e transformada em 5 vídeos.

Boa palestra!

Não é estupro… (Parte II)

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No dia 13 de outubro, o ESPAÇO CRÍTICO publicou um comentário sobre a temática da desigualdade de gênero – questão levantada pelo recente caso de apologia ao estupro que envolveu alunas e alunos da Universidade Federal de Minas Gerais. A primeira abordagem teve a participação da professora Sandra Azeredo, do departamento de Psicologia da UFMG. Azeredo sublinhou a forma pela qual as mulheres ainda são vistas e socializadas e ainda reconheceu o papel conservador da Psicologia.

Dando continuidade à temática, contamos, hoje, com a entrevista de Érica Souza, do departamento de Antropologia e Arqueologia da UFMG, que vem jogar luz à questão sob o viés antropológico.

A primeira questão levantada diz respeito ao motivo de ações sexistas e machistas persistirem e à explicação da Antropologia para a existência desses fenômenos nos dias atuais. A professora parte de uma análise da realidade na universidade hoje para falar da especificidade do seu campo de atuação. Confira a resposta no áudio abaixo.

Já havíamos visto anteriormente a Psicologia pode reforçar a concepção conservadora e dualista dos gêneros. Será que o mesmo acontece com a Antropologia? Como esta área de conhecimento lida com a diversidade de gênero?

Para falar da complexidade dos papéis de gênero, a professora Érica Souza discorre sobre as dicotomias hierárquicas na sociedade capitalista brasileira e destaca a disposição das identidades em um contexto sexista. Clique no áudio abaixo e confira.

A professora Érica Souza conclui que a desigualdade de gênero não deve ser considerada como um fenômeno restrito às mulheres, mas associado a condições que vão além do gênero. Sejam elas de raça, classe social, sexualidade ou ocupação, elas constituem a identidade dos sujeitos. Essas identidades, ainda segundo Souza, são acionadas por “jogos de poder” em uma dada situação. Ouça o que a professora tem a dizer sobre a situação de mulheres negras e/ou pobres no áudio abaixo.

Se por um lado, os casos de violência e preconceito na universidade ganham destaque na mídia pela recorrência, por outro, a problematização desses acontecimentos pode ser um passo inicial para o combate efetivo contra o machismo, racismo, homofobia, dentre outras discriminações, conclui a professora.

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Balanço crítico

A desigualdade de gênero, infelizmente, está presente em todos os âmbitos da sociedade brasileira. Sua difusão e fortalecimento se dão por meio de valores sexistas e machistas que resistem à atualização e ao questionamento.

No meio acadêmico não é diferente. Como vimos na publicação anterior, até as áreas de conhecimento podem confirmar os princípios machistas nos quais o conhecimento é produzido e transmitido. Vale citar alguns dados bastante interessantes a este respeito, divulgados recentemente pelo prêmio “Para Mulheres na Ciência”, um programa da Fundação L’Oréal, em parceria com a Academia Brasileira de Ciências e UNESCO: segundo o relatório internacional encomendado pela L’Oréal, desde o fim dos anos 90, a porcentagem de mulheres no meio científico aumentou apenas 12%. Segundo a mesma pesquisa, de três pesquisadores, menos de um é mulher e na área de Ciências apenas 32% bachareladas são mulheres, 30% de mestrandas e 25% de doutorandas.[1]

Discussões e medidas punitivas são cada vez mais necessárias e impulsionadas pelos coletivos feministas, a fim de reconfigurar o cenário da desigualdade das mulheres em relação aos homens.

Como lugar de discussão de acontecimentos recorrentes no locus universitário, devemos ressaltar a importância da criação de mecanismos institucionais que coíbam atitudes sexistas, machistas e demais discriminações, tais como as comissões, integrada pela professora Érica Souza, que discutam essas questões.  Esta comissão, especificamente, tem o intuito de estabelecer propostas de combate a discriminações e violações de direitos humanos na UFMG. Instaurada no início do segundo semestre de 2014 pelo atual reitorado, ela é dirigida pelo professor Rodrigo de Jesus, da Faculdade de Educação. Na mesma época, outras duas comissões foram criadas: uma comissão de análise da acessibilidade no campus e outra de discussão do uso do nome social de travestis e transexuais[2].

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Entrevistada: Érica Souza do DAA (Departamento de Antropologia e Arqueologia) da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFMG.

Entrevista e texto: Deize Paiva

Edição: Juliana Botelho

Ilustração: Luiza Carvalho

 

 

[1] Saiba mais no site da Fundação L´Oréal: < http://www.loreal.com.br/Foundation/Article.aspx?topcode=Foundation_AccessibleScience_WomenExcellence_FS>, acesso no dia 03 de novembro de 2014.

[2] Conforme matéria publicada no dia 24 de julho na agência de notícias da UFMG. Disponível em < https://www.ufmg.br/online/arquivos/034221.shtml>, acesso no dia 29 de outubro de 2014

Não é estupro…

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A desigualdade de gênero ainda é um tema bastante atual. Se, por um lado, as lutas feministas buscam a equidade de direitos desde o final do século XIX, os atos de protesto ainda são necessários diante das frequentes violências – sejam elas psicológicas, morais, físicas ou sexuais -, atentadas contra as mulheres em tempos considerados democráticos.

Prova disso são os recentes e numerosos casos de abusos contra a mulher veiculados na mídia. A onda crescente deu-se, especialmente, em casos que ocorrem dentro de instituições universitárias. A pauta ganhou força recentemente com a reportagem publicada no domínio virtual do programa Fantástico, da Rede Globo.

No dia 28 de setembro, o programa veiculou uma matéria sobre a violência sexual que acomete brasileiras dentro das universidades do país. A notícia narra uma situação ocorrida em um bar de Belo Horizonte, envolvendo alunos da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Segundo a matéria, estudantes uniformizados como Bateria Engrenada da UFMG, banda que pertence a Escola de Engenharia, “cantaram uma música que incentiva o estupro”, com o refrão “não é estupro, é sexo surpresa”. Indignada, uma aluna do mestrado em Direito da universidade relatou o acontecimento no Facebook. O comentário deu vazão à discussão sobre a normalidade de discursos de violência sexual e opressão a mulher, inclusive, no meio acadêmico e acabou repercutindo nacionalmente.

Procuramos a professora Sandra Azeredo, do departamento de Psicologia da Universidade Federal de Minas Gerais, que atua em temas como relações de gênero e raciais, para nos responder alguns questionamentos pertinentes acerca do acontecimento citado e a disposição da Psicologia sobre a desigualdade de gênero.

A primeira  questão levantada foi como a Psicologia aborda o comportamento sexista e os consequentes abusos morais e sexuais em relação às mulheres em pleno século XXI. Ouça a resposta da professora Sandra Azeredo no áudio abaixo.

Em grande parte das culturas atuais, ainda que implicitamente, admite-se algum tipo de superioridade de homens em detrimento às mulheres, o que é visto que dizem como um reflexo dos valores transmitidos desde a socialização primária dos indivíduos. Azeredo comenta sobre os valores coercitivos incutidos à formação das mulheres. Clique abaixo.

Levando em consideração o histórico da desigualdade de gênero, as mulheres negras e/ou pobres seriam mais vulneráveis? A professora Sandra Azeredo responde:

Apesar dos inúmeros esforços contra a perspectiva redutora da mulher, a transmissão de valores conservadores permanece. A solução, por vezes apontada, é uma re-educação que seja ampliadora quanto à diversidade de características dos gêneros. Como a Psicologia, enquanto disciplina, vem lidando com essas distinções? Existem comportamentos considerados especificamente femininos ou masculinos? Sandra Azeredo responde no áudio abaixo.

A partir do entendimento da posição conservadora, não só da Psicologia, mas de diversas áreas de conhecimento, tradições e culturas, como desenvolver, por fim, a desconstrução da visão subordinada da mulher?

Na próxima semana, continuaremos levantando o tema da desigualdade de gênero. Não deixe de comentar e conferir!

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Saiba mais: UFMG vai apurar suposto envolvimento de alunos em caso de apologia ao estupro
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Ficha técnica:

Entrevistada: Sandra Azeredo, departamento de Psicologia da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFMG (Lattes).

Entrevista e texto: Deize Paiva

Edição: Juliana Botelho

Ilustração: Luiza Carvalho

De quem são esses restos? (Parte II)

BannerEspaçocríticoMumiaDuvNa semana passada, o Espaço Crítico deu início à problemática da repatriação de artefatos. Hoje, dando sequência ao tema, contamos com entrevistas de dois especialistas: a doutora Tânia Lima, professora do departamento de Antropologia do Museu Nacional da UFRJ, e o doutor Andrés Zarankin, professor do departamento de Antropologia da UFMG.

Vale recontextualizar: a repatriação é um assunto que envolve a área da Arqueologia. Os artefatos que têm sido alvo de demandas de repatriação são objetos ou até mesmo restos mortais que, por questões históricas, políticas ou via cooptação, são encaminhados para museus, universidades e outros institutos para fins de pesquisa ou exposição.

Perguntamos a professora Tânia Lima, da UFRJ: quais seriam os critérios, em caso de litígio, para definir a posse dos artefatos.Confira a resposta no áudio abaixo.

Ainda sobre a posse dos artefatos, a professora Tânia Lima enfatiza a importância de se verificar o processo pelo qual os mesmos foram obtidos por parte das instituições responsáveis que se apoderaram dos mesmos. Segundo ela, a legitimidade da obtenção de artefatos é uma dimensão relevante no complexo processo de definição da posse.

Já o professor Andrés Zarankin, da UFMG, coordenador do projeto “Paisagens em branco: Arqueologia Histórica Antártica que conta como auxílio do Programa Antártico Brasileiro (PROANTAR-CNPq), alerta para a questão de posse das peças encontradas no território antártico, um território internacional  sem histórico de populações autóctones. Ouça no áudio abaixo.

Nota-se, nas últimas décadas, uma tendência crescente do requerimento dessas peças para o seu território de origem. Ouça o que a professora Tânia tem a dizer sobre as reivindicações dos descendentes diretos, descendentes simbólicos ou das instituições que alegam propriedade.

É necessário, entretanto, atentar para o aspecto político do fenômeno da repatriação arqueológica. O professor Zarankin discorreu sobre seu uso político no contexto do capitalismo e como ferramenta de empoderamento dos povos nativos. Saiba o porquê no áudio abaixo.

A questão dos restos mortais parece ser a mais delicada: como privar um povo de sepultar o próprio ancestral? Além disso, como obter o apoio dos proprietários, tendo em vista a importância deste tipo de material e a provável exposição desses restos humanos? A professora Tânia comenta o achado de um esqueleto na região norte dos Estados Unidos, bem como toda a polêmica que se desenrolou a partir da descoberta dos pesquisadores. Ouça na faixa abaixo.

No Brasil, ainda que em menor escala, também começam a surgir casos de repatriação. Ouça abaixo um caso de tensão entre o pedido de repatriação dos índios Craôs e o Museu Paulista, narrado pela professora Tânia Lima.

Tendo em vista os direitos dos povos nativos e descendentes simbólicos, o professor Zarankin aponta uma mudança paradigmática da relação entre o arqueólogo e os grupos aborígenes. Saiba do caso no Ártico no áudio.

Frente à complexidade da questão, dada pelas diferenças de interesses, dramas históricos e peculiaridades de cada caso, qual, por fim, seria a melhor saída? A professora Tânia Lima responde.

Balanço crítico

Ainda que praticada em menor escala no Brasil, a repatriação arqueológica não é um acontecimento recente. A reivindicação de peças acontece há mais de trinta anos e envolve muitas negociações em diversas áreas do globo.

Sabe-se, entretanto, que para chegar às decisões benéficas e justas, o processo de repatriação deve levar em conta as especificidades de cada caso. Além do problema de definição de critérios válidos para a definição da descendência (direta ou simbólica), outros aspectos complexificam ainda mais o fenômeno, como a justa preocupação pela correta conservação das peças no retorno aos países de origem, por exemplo. Conseguirão os povos requerentes manter esses artefatos em bom estado de conservação, da forma como o fariam os museus e instituições de pesquisa? Ou até mesmo acessíveis do modo que as organizações o fariam?

Resta confiar que relações cada vez mais humanizadas e éticas perdurem entre os arqueólogos e os povos nativos. E, principalmente que estes últimos tenham, na sua condição de oprimidos e explorados, a possibilidade de optar pela colaboração com o conhecimento material do passado – objeto da Arqueologia – e sejam, ao mesmo tempo, respeitados na medida em que decidam preservar suas respectivas identidades, mantendo os artefatos ao seu alcance e sob seu cuidado.

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Entrevistados: Andrés Zarankin (professor do departamento Antropologia e Arqueologia da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFMG –  Lattes) e Tânia Andrade Lima (professora do departamento de Antropologia do Museu Nacional daUFRJ – Lattes).

Entrevista e texto: Deize Paiva

Edição: Juliana Botelho

Ilustração: Luiza Carvalho

Apoio técnico: Rádio UFMG Educativa